quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

São Luiz do Paraitinga: um território-memória devastado?


Por Alexandre Penedo


Caros, vocês que me conhecem sabem que sou um tanto ácido nos meus comentários, ao pé-do-ouvido, quanto trato de questões públicas, mas muito reservado, quando de expor estas idéias para muitos, principalmente enviando emails para as pessoas. Mas de alguma forma, me vi motivado a fazer isto.
Este pequeno “texto-email” têm a intenção de apresentar um relato. Talvez querendo induzir uma leitura, com algumas analogias, mas sem a vontade de ser uma verdade sem fim ou mesmo um depoimento dramático. É uma simples tentativa de contar como foi a experiência que vivenciei e escrever o que aconteceu em São Luiz do Paraitinga, nestes dias de muito trabalho.

Pois bem, na segunda-feira dia 3, quando retorno de um Ano Novo, vejo a bomba da inundação da cidade de São Luiz do Paraitinga. Como que não quisesse acreditar, a possibilidade de ver novamente a imagem de uma torre se esfarelando, agora aqui na nossa cara, me pareceu algo surreal. O desespero chegou rápido, já que a imagem dizia que não era a torre que estava caindo, mas a cidade como um todo.
Para quem não conhece São Luiz do Paraitinga – o que eu lamento profundamente a falta de esforço que fizeram -, ou mesmo para aqueles que não nasceram aqui no Vale do Paraíba, gostaria de explicar algumas coisas. A cidade para nós func iona como um vértice de um quadrante imaginário que tem alguns pontos cardeais importantes, articulando-se como uma espécie de centro do nosso Universo.

Esta pretensão toda é explicada com as coordenadas divinas dentro de uma proporção áurea: ao sul, na nossa cabeça, teríamos as cidades do fundo do Vale, como Bananal, Areias estendendo até Guaratinguetá e Roseira. Nesta coordenada começa a constelação das cidades históricas no qual São Luiz do Paraitinga está, assim como Paraibuna.
Ao leste, temos a zona litorânea, onde o dia nasce no mar! É no litoral, cercada pela “muralha” da Serra do Mar - de São Sebastião até Paraty –, que acontece a briga mais violenta no gradiente de cores neste cosmo: o azul do Oceano Atlântico com o verde da Mata Atlântica. Como vocês já podem perceber, para nós não existe esse limite de território, mas uma memória territorial. Em todo caso, mandaríamos nossos encouraçados para a Bahia de Paraty.
Ao oeste, o sol se vai entre as montanhas! E não são montanhas quaisquer: são as mais altas de um bom pedaço de terra desta parte do continente. Possuem uma personalidade intensa: são frias com olhares cortantes. Às vezes, melancólicas. Mas nada que assustem as pessoas, pelo contrário: se revelam carinhosas e aconchegantes! Começa aqui em São Francisco do Xavier, passa por Campos do Jordão e vai até Itatiaia.
O nosso norte é São Paulo! Todos aqui miram para lá, que não necessariamente significa morar lá, mas porque representa a nossa eficiência e pragmatismo típico: o caipira que deu certo. E qual o espelho de São Paulo? Rio de Janeiro! Estamos bem, o universo perfeito.
São Luiz do Paraitinga está no meio deste céu todo, e brilha como se fosse um “Cruzeiro do Sul”. Quando estiver perdido, basta você olhar para cima, observar a região do “Mar de Morros”, e encontrará as referências necessárias para te achar. A cidade tem uma qualidade impressionante de conforto, acolhimento e calor necessário para todo indivíduo que nesta banda habita.
Seus dois pares de ruas estreitas com casarões encostados na calçadas trabalham na nossa cabeça como se fosse um túnel do tempo. De dia, este conjunto em combinação com o sol inclinado, nos remete as sensações de uma época que não quer passar. Não passa porque não queremos que passe. E para quem já andou de madrugada nestas vielas, a alucinação é maior ainda.
Mesmo sendo pequena, quase como uma trincheira, é uma cidade pretensiosa de tal tamanho, que se agiganta. Por exemplo, a cidade se acha a que tem a melhor efeverscência musical. E não é que, todo santo dia, nasce alguém com um baita talento musical. Isso explica a vitoriosa Banda e o Carnaval de Marchinhas. Por incrível que pareça, todos nos concordamos, não somente por ser verdade, mas é que traz um benefício enorme para nossas estratégias de conquistas...
“S ão Luiz” tem muito mais, e fica aqui meu convite para vocês descobrirem. De qualquer forma, essa brincadeira ficcional não pode esconder um problema que já se anunciava há tempos: a questão das enchentes do Rio Parahytinga.

Desde quando conheço a cidade, a presença do rio sempre foi algo fascinante: ali ele passa rápido, vermelho, nervoso, e suas entranhas nos lançam para algo como se tivéssemos olhando para nossas veias. Em épocas de cheias, seu aspecto caudaloso torna impossível de imaginar de que composição ele é feito. Parece tudo menos água. Às vezes, duvidava ainda se havia vida nele, mesmo sabendo que se trata de um rio limpo.
Em período de seca, o rio continua com uma força fascinante. Parece coisa de Saci. Todo ano, sempre escutava aquelas histórias cabeludas de crianças que morriam no poção ou desapareciam no rio.
A mesma vivacidade de memória das vezes que passeava por “São Luiz”, tenho de quando começaram a constr uir casas - nos anos 90 - atrás do curral aonde se realizava a distribuição do afogado na Festa do Divino. Trata-se de uma festa importante, com celebrações cristãs, festividades populares, e comida típica da região, que hoje fica ali ao lado da rodoviária. Uma sugestão: esta festa é uma ótima oportunidade para tomar umas luizenses.

Naquele local havia uma extensa gleba do lado oposto do rio no centro da cidade. Em rodas de amigos luizenses e familiares que participei, apareciam comentários de que aquele pedaço era um espaço de alagamento natural e que a sua ocupação por aterramento poderia trazer problemas para a cidade.
Enchente sempre teve. Mas hoje constitui de uma bela gleba ocupada por moradias da classe média luizense, ávidas por morar no centro e a maioria de gosto duvidoso.
Na verdade esse fenômeno não é novidade, mas em São Luiz do Paraitinga torna-se típico de uma das características das cidades brasileiras, como é o exem plo daqui, de São Jose dos Campos: as cidades viram as costas para o rio, depois sofrem com as conseqüências de ocupar suas bordas. Aos poucos, o rio vai se tornando um transtorno urbano, impedindo o crescimento da cidade. Como o clima aqui mudou, e vai chover sempre e bastante, essas cenas serão constantes.

Tem mais história sobre o rio, mas me requereria pesquisar para me lembrar. De fato, quando vi a torre da Matriz caindo, ou melhor, mergulhando no rio, não me chamou a atenção inicialmente. Não por não me emocionar mais com a religião. Fica o espanto sim, mas por perceber depois que o principal, de fato, estava debaixo d’água. O que estava submerso eram os casarões e a mais importante coroa da cidade: Capela da Nossa Senhora das Mercês.
Construída em taipa no século 18, esta igreja era uma “belezura”, e tinha o direito de ter usufruir de concessões, que todos nós arquitetos aceitamos, para tipologias de sua classe: era descentralizada do eixo da rua, se esparramava pela esquina, e a única a permitir ser observada em diferentes alturas. Por ter este aspecto democrático, ela convertia qualquer ateu e diabo em admirador imediato, e não muito, usava de suas “gorduras”, decorrente do trabalho do adobe, para seduzir e aumentar sua áurea monumental. Era como um Buda, ali sentada. Sua localização, entre duas ruas, que se convertem em três direções, suas telhas resfastelando-se sobre as ripas, sua constante condição de fechada, de pouco acesso, e suas cores, davam-lhe um aspecto de serena, e assim misteriosa. Era pequena por fora e enorme por dentro.
Já sabíamos que nossa missão na cidade naquele dia era ajudar a organizar a desmontagem dos restos da igreja, mas quando cheguei, percebi que ela havia sido diluída, derretida. Não havia estrutura, mas um monte de barro com um amontoado de madeira. Coisas de taipa. Foi difícil não dobrar os joelhos. Vi ali seu Oswaldo, Seu Elpidio e Seu Maz zaropi gritando.

Mesmo chegando com vassouras de rua, luvas de obra e botas, para nós foi insuportável trabalhar na igreja e andar para ver os casarões e o mercado municipal com o cheiro ácido que impregnava o lugar: uma mistura de laranja azeda, com cerveja choca e ração fermentando. Será preciso enviar muitas máscaras cirúrgicas porque a inundação além de produzir muito lixo nas ruas atingiu casas que possuíam revestimento de madeira e, assim, frestas que permitem a água entrar. Diferentes das construídas em alvenaria, que basta jogar solução com água sanitária que fica limpo.
Já estão distribuindo vacinas, que considero necessária, mesmo não tendo tomada. Os dias de inundações impregnaram o lixo nas estruturas das casas, que combinada com a teimosia das pessoas em andar de chinelos, não será surpresa também se aparecer doenças.
Chegamos e saímos de cabeça erguida consciente que a cidade esta mais viva do que nunca, que tem uma oportunidade histórica de proporcionar a modernidade sem perder seus valores, de se tornar referência em novos assuntos urbanos. O golpe foi duro, e será necessária atenção porque a economia é frágil. Tomar a postura coletiva de ter abertura para se quebrar paradigmas, tendo em vista para que este acidente não aconteça mais. Um enfrentamento difícil, mas obrigatório.
Estivemos no centro de distribuição de roupas para levar nossos pacotes, e constatamos aqui o que todo mundo já sabe: a cultura de jogar roupa velha por um “motivo nobre”, e a busca destas peças por famílias historicamente desamparadas, atingidas ou não ao longo do rio. Não vi ninguém do centro histórico lá, talvez pelo horário. É outro exemplo do círculo vicioso da cultura da pobreza no Brasil. Mas, enfim, um jeito nosso de ajudar. Comida será necessária por um tempo também.
Aonde foi inundado no centro, estava a elite e não o povo, estes jogados para o topo dos morros. Não foi estranho ver amontoado nas ruas uma quantidade impressionante de mobiliários históricos, televisões, aparelhos eletrônicos, computadores, eletrodomésticos e jogos de cama e banho tradicionais.
Um texto que imaginava pequeno tornou-se extenso. De qualquer forma, fica aqui minha declaração de Amor por São Luiz do Paraitinga, do orgulho de ter nascido aqui, e o pedido de atenção: a principal ajuda que podemos dar é apoiá-la, seja através de doações agora, seja acompanhando as discussões sobre as restaurações e o problema urbano da ocupação que leva o rio trasbordar. Não é ir lá para realizar turismo da desgraça alheia, como podemos observar que já está acontecendo. É preciso ir lá e por a mão na massa. O que não podemos fazer é esquecer São Luiz do Paraitinga.

Alexandre Penedo, um piraquara joseense.


Na foto, podemos ver a destruição da capela e as casas destruídas ao fundo. Na seqüência, da esquerda para a direita, temos o Mauricio, morador de Ubatuba e voluntário, e nós três: Paulo Roberto, João Carlos e eu.


Um comentário:

  1. Muito interessante esta sua inciativa, realmente não podemos esquecer São Luiz do Paraitinga!!!

    Grande Abraço!

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